Com mais de 14 anos de experiência na área da Gestão de Pessoas, Lisandra Barros afirma-se como uma das vozes mais consistentes na defesa de processos de trabalho mais humanos em Angola. Gestora, mentora de carreira, formadora certificada e fundadora do Portal Carreiras, tem dedicado o seu percurso a colocar as pessoas — e não apenas os números — no centro das organizações.
Nesta entrevista ao Mulheres.ao, Lisandra Barros partilha a sua trajectória pessoal e profissional, os desafios enfrentados enquanto mulher no universo corporativo, o impacto da maternidade na sua liderança e a importância da análise de perfil como ferramenta de autoconhecimento e crescimento. Uma conversa marcada por humanidade, fé, propósito e visão de futuro.
Vida e trajectória: quando a maternidade redefine o caminho
1. Quando pensa na sua caminhada, quais são os momentos que lhe vêm primeiro ao coração?
Lisandra Barros: A maternidade. Tornei-me mãe muito cedo e isso moldou completamente quem sou. As minhas duas meninas — as minhas duas Marias — são a minha força da natureza. São elas que me quebram e me renovam, que me lembram diariamente porque devo ser melhor, fazer melhor e lutar por um mundo mais humano.
Ser mãe transformou a minha forma de ver as pessoas, o trabalho e a vida. Deu-me propósito, coragem e responsabilidade.
2. Houve algum acontecimento que tenha virado uma chave dentro de si e a aproximou das pessoas?
L.B: Sim. Comecei a trabalhar muito cedo e vivi processos de recrutamento profundamente desumanos. Vi pessoas brilhantes duvidarem do seu valor. Vi talentos a serem descartados por falta de orientação.
Foi aí que a chave virou: percebi que queria trabalhar para que ninguém se sentisse invisível num processo que deveria ser de oportunidade.
A minha experiência profissional, somada à responsabilidade de criar três crianças para serem cidadãos humanos, fez-me escolher este caminho. Hoje, tudo o que faço nasce desse compromisso: ajudar pessoas a reconhecerem o que têm de melhor dentro delas.
3. Que desafios enfrentou enquanto mulher no mundo dos Recursos Humanos?
L.B: Enfrentei desafios ligados à credibilidade e à humanização de processos num continente onde tantas práticas desumanas ainda são normalizadas. Fui rotulada de forma injusta, mal interpretada e, muitas vezes, não vista pelo meu verdadeiro valor — não por falta de competência, mas por ser mulher e por defender processos mais humanos.
Hoje uso a minha voz para fortalecer outras mulheres. Quando uma mulher descobre o seu valor, torna-se capaz de muito mais do que imagina.
4. O que esteve sempre presente ao longo da sua carreira?
L.B: Deus e a minha família. Passei por situações muito duras enquanto criança e jovem adulta. Se não fosse Jeová, eu não teria resistido.
Construir a minha família deu-me força, sentido e estabilidade. Saber que não estou sozinha e que tenho por quem lutar transforma tudo.
5. O que realmente faz o seu trabalho valer a pena?
L.B: A transformação. Ver pessoas recuperarem a confiança, conquistarem oportunidades, serem promovidas, reencontrarem o seu valor. As conexões humanas que construo são o que dá sentido ao meu trabalho.
6. O que significa humanizar uma empresa?
L.B: Humanizar é lembrar que nenhuma organização existe sem pessoas.
É tratar o capital humano como o maior recurso da empresa. É ouvir, acolher, promover, capacitar e criar processos claros e dignos.
Humanizar é devolver humanidade ao trabalho.
7. Em 2025, houve alguma transformação que a tenha marcado?
L.B: Sim. A maior transformação aconteceu dentro de mim. 2025 foi um ano intenso, de muito crescimento e superação.
Descobri uma força que eu não sabia que tinha. Fiz muitas coisas sozinha — e era para ser assim.
Sinto que vivi três anos em um. Cresci, amadureci e provei a mim mesma que sou capaz.
8. Se tivesse de resumir o seu propósito numa frase…
L.B: Desbloquear pessoas e tornar empresas mais humanas e coerentes.
9. Porque é que uma mulher deve fazer uma análise de perfil?
L.B: Porque é transformador.
Ajuda a mulher a entender-se melhor, a reconhecer as suas competências, a desbloquear medos e a tirar o melhor de si para o mundo.
Acredito que toda mulher deveria fazer uma análise de perfil comportamental.
10. O que ainda limita as mulheres no mercado de trabalho?
L.B: O medo — alimentado por estruturas que silenciam e hostilizam mulheres.
Há também a culpa que nos é imposta quando ousamos crescer. O empreendedorismo feminino não arruinou casamentos; apenas expôs estruturas que já estavam quebradas. Ainda temos muito trabalho pela frente, mas vejo coragem e avanço.
11. Como tem percebido a presença da mulher angolana no mundo corporativo?
L.B: Vejo avanço, vejo força, vejo mulheres a ocuparem espaços de liderança. Mas ainda é pouco para o que precisamos construir.
Mesmo assim, estou profundamente orgulhosa do caminho que já foi feito.
12. O que a guiou para criar o Portal Carreiras?
L.B: A necessidade de orientar pessoas e entregar candidatos preparados às empresas. Queria quebrar o ciclo de frustração entre candidatos e organizações.
O Portal Carreiras é um ponto de encontro entre propósito, preparação e oportunidade.
13. Que inquietações e sonhos costuma encontrar nas mulheres que acompanha?
L.B: Vejo mulheres que desejam estabilidade, reconhecimento e autonomia, mas carregam medos profundos.
Vejo mulheres que querem crescer, mas foram ensinadas a diminuir-se. E vejo uma força extraordinária. O meu papel é ajudá-las a verem aquilo que eu já vejo nelas.
14. Um recado às empresas angolanas:
L.B: Invistam genuinamente em pessoas. Criem processos — e sigam-nos.
O futuro pertence às organizações que entendem que dignidade, ética e coerência são pilares de crescimento.
15. O futuro do trabalho em Angola:
L.B: Vejo um mercado onde competência, ética e humanidade caminham juntas. Onde as mulheres lideram sem pedir licença.
Onde o talento interno é valorizado e a formação contínua é prioridade.
16. Quais são os temas que considera urgente falar sobre mulheres, dignidade e acesso?
L.B: Precisamos falar sobre segurança emocional, igualdade de oportunidades, violência simbólica, políticas internas que protegem mulheres e educação como base da mudança.
17. Futuro para meninas e jovens mulheres, qual é a sua perspectiva?
L.B: Quero vê-las crescer conscientes do seu valor, sem medo de ocupar espaço. Quero que tenham liberdade para escolher, sonhar e liderar.
O mundo precisa delas — inteiras, livres e confiantes.
18. O que significa ser mulher angolana?
L.B: É ser forte, resiliente, doce e multifacetada.
É transformar dor em propósito e silêncio em voz.
19. Como cuida da sua energia?
L.B: No colo da família, na presença de Deus, na leitura e no silêncio. Aprendi que, para cuidar de pessoas, preciso primeiro de cuidar de mim.
20. Mensagem para um círculo de mulheres
L.B: Não há nada de errado contigo.
Capacita-te. Não te diminuas.
O nosso poder está na diferença — não na perfeição.
21. Desejos para 2026:
L.B: Continuar a crescer, impactar, inspirar e humanizar pessoas e empresas. Para Angola, desejo justiça, ética e oportunidades reais.
Para as mulheres, desejo liberdade — para existir, liderar e sonhar. Humanizar o trabalho é também humanizar a sociedade. Que histórias como a de Lisandra Barros inspirem mais empresas e mulheres a liderar com propósito. O que significa, para si, trabalhar num ambiente verdadeiramente humano? Partilhe connosco nos comentários.
