A Carmen Mateia é uma mulher voltada à cultura, activismo, criação e gestão de projectos sociais, bem como aos direitos humanos, activista de género, especialista em comunidades e gestora sénior de projectos. Ela é fantástica, sempre ocupada com causas e iniciativas sociais, preocupada com a formação de jovens nas comunidades e com o feminismo e equidade do género. Uma pessoa completamente fora dos limites comuns, não me canso de admirá-la. Vamos lá.
Não é muito comum vermos jovens mulheres tão dedicadas à causas sociais e a abraçarem isso como objectivo de vida (sei que há quem faça, mas não é tão comum) e a Carmen tem feito um trabalho muito lindo e quem a acompanha no LinkedIn principalmente consegue perceber o empenho e dedicação, o sorriso que estes projectos lhe proporcionam.
“Sou uma activista de direitos humanos, gestora de projectos e produtora de práticas sociais que cria intervenções, programas e instalações culturais usando vários meios, incluindo performance, texto e movimento na intersecção das artes e da justiça social.”
Carmen Mateia
Quem é a Carmen Mateia, além da citação acima, claro?
Apenas uma rapariga da África subsaariana que viaja com pouco kumbú, finge que não usa redes sociais e considera a maionese a melhor invenção humana (risos).
Como e quando é que uma mulher tão jovem percebeu as diferenças sociais e começou a se preocupar em diminuir as brechas da desigualdade?
Quando eu era criança queria ter um emprego que me permitisse voltar à casa com novidades todos os dias e hoje sou activista. Sempre participei de iniciativas sociais, mas quando me graduei em liderança cívica pelo programa YALI em 2019, tive a certeza que queria ser PROFISSIONALMENTE ACTIVISTA. Como o programa foi assinado pelo ex-Presidente Obama e lançado em 2010, costumo dizer que o Barack Obama mudou a minha vida.
As minhas maiores paixões são educação e activismo e isso me permitiu conhecer jovens engajados de muitas partes do mundo e passou a ser o meu combustível para continuar a trabalhar em projectos que operam mudanças significativas na vida das pessoas. Poucas pessoas jovens em Angola descobrem cedo no que são bons e o que querem fazer o resto das suas vidas, eu tive a sorte de descobrir antes dos 21. Eu gosto da responsabilidade social e sou como o General Colin Powell: “antes de mais nada, uma solucionadora de problemas”. Tudo o resto vai se alinhando.
Ser activista social e assumir tantas causas não deve ser uma tarefa fácil, já teve algum problema no decorrer das actividades que realiza nas comunidades?
Os problemas sempre aconteceram antes ou depois, nunca durante. Há alguns dias publiquei uma foto no meu Facebook e escrevi “Baby, a cidade me teme” e um seguidor comentou “e o gueto te venera” e isso é muito sobre como sou recebida nas diferentes localidades em que trabalho. Superar a apatia da comunidade nem sempre é fácil, mas o que faço consiste exactamente nisso: em engajar todo mundo, inclusive o público-alvo.
Em Benguela não há muitos espaços para exercer cidadania, então espaços físicos para realizar actividades são com certeza o nosso maior desafio enquanto Agitadores Culturais. Organizações Comunitárias não têm financiamento então a sustentabilidade ocorre fruto da nossa criatividade, temos sempre que inovar em como angariar fundos, captar recursos para as nossas actividades e de outras organizações.
O que é que ganhas com tanta dedicação às causas das comunidades?
Aplausos, ganho aplausos (risos). As comunidades e periferias não são apenas lugares de carência, são de aprendizados, networking, oportunidades e desafios. Trabalhar em activismo de forma profissional nessas comunidades abre-me um mundo cheio de coisas que posso mudar ou moldar. O facto de ter muita visibilidade nas redes sociais e ser facilmente aceite faz com que cada vez mais pessoas e instituições queiram se juntar a mim e aos meus amigos e isso inclui as pessoas dessas comunidades. Como ensinamos na Academia de Liderança Comunitária: Muitas vezes, pensamos nos membros das comunidades apenas como pessoas que necessitam da nossa ajuda.
O engajamento da comunidade está relacionado com envolver as pessoas que você atende, não apenas como beneficiárias dos seus projectos, mas como parceiras na consecução da sua missão.
Praticamente todo mundo — jovens ou velhos, ricos ou pobres, com ou sem educação formal tem alguma coisa a contribuir para o trabalho de uma ONG. Alguns podem ter um conhecimento especial ou uma habilidade única para oferecer. Outros podem ter os meios para doar dinheiro, materiais ou suprimentos. Outros ainda podem doar tempo e contribuir com o seu entusiasmo.
Quando as pessoas estão activamente engajadas em esforços para melhorar a sua própria vida e a vida dos seus vizinhos, elas se tornam mais conscientes e comprometidas com a solução dos problemas. Elas também aprendem novas habilidades e ganham confiança na sua capacidade de efectuar mudanças. Esse engajamento um dia vai se tornar empoderamento.
Qual é a sensação de estar nas comunidades e impactar tantos jovens?
É gratificante, não sei se quero acrescentar outra palavra. Na semana passada, por exemplo, alguém doou 20.000kz para a realização da Assembleia Geral do Activismo em Benguela e disse-me: obrigada por me permitires contribuir. Eu é que estou grata pela pessoa colaborar, o facto de conseguir chamar atenção sobre a nossa responsabilidade para melhorar as coisas. A liderança que exerço(cemos) é uma das maneiras mais significativas de investirmos colectivamente no futuro e aumentar o alcance e o impacto de vozes críticas em ascensão.
Quanto ao feminismo, um tema que levanta diferentes interpretações e visto como rebelião das mulheres, como o defines?
Feminismo é a ideia radical de que mulheres são pessoas, tão merecedoras e capazes quanto os homens. É a ideia radical de que a violência contra a mulher é inaceitável. De que o estupro não é piada. De que não poderão ditar regras em cima dos nossos corpos. E cada mulher pode encontrar o seu espaço dentro da militância feminista. Elas são diferentes entre si, mas uma nunca anula a outra. O que serve pra mim pode não servir pra você e vice-versa.
Maynara Fanucci:
Me parece que o trabalho que desempenha é muito solitário. Estou certa?
Depende. Eu trabalho com muita gente e de muitas partes do mundo e Angola. Existem coisas que eu é que tenho que fazer, problemas que eu é que tenho que resolver e nessas situações me sinto só. Penso: mas eu é que tenho que fazer tudo? Ao mesmo tempo eu estou rodeada de pessoas engajadas socialmente, que pensam Angola e o continente, nesses momentos me sinto acolhida e chego a acreditar: eu e os meus amigos vamos mudar o mundo!
É difícil ser mulher em Angola?
É difícil sim e pior quando és activista. Há momentos em que me sinto muito grandiosa e noutros nem tanto, tenho medo. Vivemos num país que reprime a acção social, que tem aversão a isso. Então estou só a fazer o que tenho chamado de desafio da década contando a minha história e vivendo a minha vida de uma maneira politicamente significativa. Angola reprime a acção social por isso contar as nossas histórias de uma forma que as torna politicamente significativas é o desafio angolano desta década.
Qual é a tua maior referência feminista e porquê?
Há muitas mulheres que me inspiram, no entanto nomear-se feminista não é algo obrigatório e algo que algumas delas o façam, eu mesmo raramente o faço. O activismo tem um lado que precisa ser subtil sobretudo no que concerne a rótulos, além disso para mim nunca SOMOS algo, sempre estamos. Algumas dessas mulheres que são as minhas referências são a Cidia Chissungo, Florita Telo, Sizaltina Cutaia e a Farida Bemba Nabourema.
Gosto tanto da Farida. Ela é uma activista togolesa que envia livros ao Togo para serem distribuídos gratuitamente, os livros que ela escreve também os disponibiliza de forma gratuita. A Farida é uma mulher de muita acção e uso-a sempre como exemplo nas minhas aulas de organização para a acção comunitária.
Se pudesses criar e implementar um projecto dos sonhos, sobre que tema seria?
A Associação Agitadores Culturais e o Turista Sem Kumbú são os projectos dos meus sonhos e já estão criados e implementados.
A ASSOCIAÇÃO AGITADORES CULTURAIS investe na comunicação e compreensão através da arte como forma de potencializar adolescentes e jovens e emancipá-los em relação aos desafios de Angola e o continente. Realizamos actividades extracurriculares periodicamente em Benguela e reunimos adolescentes e jovens de diferentes periferias para se experimentarem enquanto audiência, enquanto protagonistas (no palco) e enquanto organizadores de evento (nós). É um laboratório, estamos a estudar como nos comunicamos melhor.
No Turista Sem Kumbú troco activismo por viagens, faço consultoria comunitária e como professora e investigadora social viajo pelo centro e sul de Angola ensinando Organização para Acção Comunitária, Advocacia social, Liderança Cívica, Captação de recursos & economia criativa para angariação de fundos, Direitos Humanos da mulher e Gestão de projectos sociais. O objectivo é o fortalecimento das lideranças femininas e lideranças comunitárias através de pesquisa, formação e consultoria em gestão de projectos sociais.
O que eu acho que tornariam os projectos dos meus sonhos muito mais inclusivos, participativos e abrangentes seriam um espaço físico para os Agitadores Culturais todo equipado e acolhedor, meio que um centro comunitário em Benguela e claro, mais doações e projectos para consultar e viagens dentro e fora de Angola, sair pelo mundo e pelo país fazendo volunturismo, na verdade planeio começar a faze-lo em 2024 com frequência, dedicar-me a tempo inteiro.
Os resultados que obtenho, os feedbacks que recebo, a resiliência dos nossos agitadores e das comunidades que representamos, dos nossos colegas do sector e dos nossos apoiantes é o que mantém os Agitadores Culturais e à mim “em ascensão” e firmes no trabalho que fazemos. Estas palavras são apenas um vislumbre das maneiras pelas quais conseguimos garantir que as nossas agitadoras e aqueles a quem servimos ainda possam crescer. Esperamos que você goste de compartilhar isso.
Mulher com M maiúsculo.
Força!…
Eu sigo a Carmen e me sinto muito bem representada por ela, é uma mulher forte e guerreira que sabe o que faz, onde está e para onde vai, e isso é incrível.
Espero que continues assim.
Cada dia que passa consigo ver Angola de uma perspectiva diferente, pouco a pouco estamos a envoluir sim, parabéns mana.
Parabéns Mulher…Desejo-lhe força e coragem.
Adorei ler a entrevista. Viva a emancipação da mulher
Obrigado por insprirar a juventude em Angola e não só, és mesmo líder em movimento ” solucionadora de problemas” amo-te.💖✊
A Carmen é simplesmente incrível.
Sou daqueles leitores que muito lêem, e pouco comentam.
Acompanho os conteúdos dela tanto no Facebook quanto no Medium há mais de dois ano.
Nisso, afirmo que ela é SIMPLESMENTE INCRÍVEL.