Um texto espectacular de Esperança Madalena Luieca Ferraz
Nos dias de hoje, é impossível negar o papel preponderante da mulher no crescimento e desenvolvimento social, político, económico e cultural de um país, em que cada uma contribui com esforço e peculiaridade. No quesito empoderamento, é preciso entender que desde as zungueiras à operadora de computador, cada uma delas procura a sua independência na sua zona de conforto.
As festividades do dia 31 de Julho marcam na agenda o Dia da Mulher Africana, dir-se-ia sob o olhar da Onomástica “Mulher Africana”. Esta mulher traz na sua bagagem educacional uma carga cultural que a diferencia da mulher criada no Ocidente, no entanto, a influência da colonização divide-a, muitas vezes, entre o aceitar a tradição de ser mulher, cumprir os preceitos culturais e o ser mulher moderna, contrariando tudo e todos no que à tradicionalidade diz respeito, realidade que se tem desembocado em luta de poder nas relações sociais.
Ao olharmos os preceitos que regem o meio social e cultural africano, segundo se pode ler em Altuna (2014), a mulher goza de posição social, e todos os dias lhe pertencem por inerência das actividades diárias que desempenha, tais como a criação dos filhos, cuidar da casa desde o amanhecer até ao anoitecer e cuidar do filho que mais parece ser o caçula da casa (marido). “Vamos colocar pulunguza nisto” como diz A´mosi, no seu poema “Mulher-Aço”, ou seria melhor buscar o “Sexo Frágil” da mesma autora, que a descrevo como menina mulher que traz a vida quotidiana das mulheres angolanas e que se pode contextualizar na África toda, onde elas ao amanhecer percorrem as avenidas com pesos sobre a cabeça e o filho nas costas, em busca do pão de cada dia.
Guerreiras de nascença porque desde pequenas sabem o que a vida lhes reserva, então, olhemos para as guerreiras da nossa nguimbi desde Nzinga a Kimpa, e relacionar com todas as mulheres da nossa África.
No meu íntimo, reencontro-me no recente filme exibido pela SONY “Mulher Rei”, que traz a história das Agojie que libertaram o actual Benim, e sem querer a palavra empoderamento feminino não sai da minha mente, e leva-me a questionar se ser empoderada significa agregar habilitações literárias, trabalhar na função pública, ocupar cargos de referência nas grandes empresas ou se aplica a todas aquelas que de forma independente conseguem enveredar por caminhos que as levam para o sustento dos seus filhos. Inquieta-me saber que agora o termo mais usual é “as poderosas”.Entrementes, só é “poderosa” a mulher cuja apresentação é de exibição, aquela que supostamente se veste melhor que as outras, exibe coisas caras e perucas de valores exorbitantes.
Sem intenção nenhuma, resolvi trazer a esta reflexão Niketche, Uma História de Poligamia, da famosa escritora moçambicana Paulina Chiziane, vencedora do Prémio Camões (2021). Trata-se de uma mulher empoderada que, a partir da sua escrita feminina, procura empoderar outras mulheres a nível mundial. Traz a cultura em forma de metáfora e demonstra o poder que a mulher africana detém no comando das suas actividades diárias, como também na esfera política e na resolução dos problemas sociais em favor de um modelo no qual as mulheres deviam pensar, a fim de sanarem alguns dilemas do fórum cultural que têm causado vários dissabores na vida das mulheres africanas.
Como consequência da aventura colonial e da implementação do cristianismo em África, que de certa forma deixa a mulher africana desprovida dos ensinamentos da sua génese, a mulher continua a viver problemas de reestruturação, faltas de respeito, de companheirismo e de harmonia no lar, por não saber o que a tradição africana diz em relação aos cuidados que deve ter numa relação conjugal.
A título de exemplo, apresenta-se o caso de Rami, a protagonista da obra Niketche, que ao descobrir que era traída pelo seu parceiro, busca, inicialmente, a verdade, percorrendo a cidade em busca das amantes do seu cônjuge. A ajuda de uma conselheira matrimonial idónea nos valores culturais africanos foi muito importante para a tomada de decisão de Rami, que fala em nome de uma colectividade feminina principalmente africana, percebe que muitas mulheres são dependentes tanto financeira como psicologicamente, e encontram-se presas aos dogmas culturais ultrapassados nas zonas urbanas e em algumas rurais.
Diante disto, com uma voz que liberta dor, desânimo, angústia, anseios, submissão, machismo e esperança, ela resolve libertar todas as mulheres tornando-as empoderadas. Deste modo, depois de várias colisões, reúne todas as parceiras do seu esposo e torna-as mulheres oficiais como era no tempo dos nossos antepassados. Ensina-as a serem independentes financeiramente e coloca-as como pequenas empresárias para torná-las livres da dependência do marido infiel.
Em suma, urge a necessidade de a mulher africana conhecer o seu verdadeiro papel na sociedade, e para o alcance deste desiderato, cada uma delas empoderadas deve contribuir para o empoderamento das demais que ainda não trilham este caminho. Independentemente da área de actuação, importa mostrar que ser empoderada se começa por criar condições para empreender em pequenos negócios, como, por exemplo, vender bombó com jinguba até chegar aos negócios com maiores investimentos, pois o importante é poder contribuir com dignidade no sustento da família e partilhar com o parceiro as contas do lar.
O ser mulher empoderada não significa ter perucas e vestes caras, porém, poder ajudar com ideias construtivas aquela mulher que precisa sair do sufoco que vive. As mulheres africanas também simbolizam solidariedade, por isso, impõe-se que se exerça continuamente esta virtude cultural que nos identifica como UBUNTU.
*Esta reflexão foi escrita no âmbito do projecto Literatura de Mulheres: Memórias, Periferias e Resistências no Atlântico Luso-Afro-Brasileiro(PTDC/LLT-LES/0858/2021).
Autora: Esperança Madalena Luieca Ferraz