A pobreza menstrual é uma realidade que afecta milhares de mulheres e raparigas em Angola. Entenda o que está por detrás deste fenómeno e porque é urgente falar sobre dignidade menstrual e igualdade de género.
O que é, afinal, a menstruação?
A menstruação é um processo biológico natural, resultado da descamação do endométrio quando não ocorre fecundação. Em média, o ciclo menstrual tem uma duração de 28 dias, com sangramento entre dois e sete dias.
Apesar de ser um fenómeno universal na vida reprodutiva feminina, o modo como ele é vivido varia conforme o contexto social, económico e cultural. Em muitos países, incluindo Angola, menstruar ainda é sinónimo de desconforto, silêncio e desigualdade — especialmente para as mulheres em situação de vulnerabilidade social.
Quando a menstruação se transforma em exclusão
Segundo estimativas internacionais, 1,25 mil milhões de mulheres e raparigas em todo o mundo não têm acesso a casas de banho seguras, e 526 milhões vivem sem qualquer tipo de instalação sanitária nas suas residências.
Estas limitações tornam o acto de menstruar um verdadeiro desafio. Falta de produtos de higiene, ausência de água potável e o estigma cultural sobre o tema conduzem muitas mulheres a viver a menstruação em condições indignas, muitas vezes com vergonha, desconforto e medo.
Em Angola, o problema é ainda mais grave para as mulheres em situação de rua, deslocadas ou em extrema pobreza. A ausência de produtos de higiene menstrual, associada à falta de privacidade e segurança, agrava a sua exclusão social e reforça a vulnerabilidade feminina.
“A pobreza menstrual é uma forma silenciosa de desigualdade de género — e as suas consequências afectam a saúde, a dignidade e as oportunidades das mulheres.”
O que é a pobreza menstrual?
O termo pobreza menstrual descreve a falta de acesso a produtos de higiene adequados, a infraestruturas sanitárias apropriadas e a informação sobre o ciclo menstrual.
Esta condição força muitas adolescentes e mulheres a faltarem à escola ou ao trabalho durante o período menstrual, comprometendo o seu bem-estar, a sua educação e até a sua independência económica.
Durante a pandemia da Covid-19, o tema ganhou maior visibilidade, revelando o quanto as desigualdades estruturais afectam o quotidiano das mulheres.
Hoje, apenas dois países – Escócia e Quénia – têm leis que garantem a distribuição gratuita de produtos menstruais. Em Angola, esta ainda é uma discussão emergente, mas cada vez mais necessária para garantir dignidade menstrual como direito humano.
Um problema de saúde pública e de género
A pobreza menstrual não é apenas uma questão de higiene — é também um problema de saúde pública e de igualdade de género.
Sem acesso a cuidados íntimos adequados, as mulheres estão mais expostas a infecções do trato urinário e reprodutivo, além de sofrerem impacto psicológico e emocional pela falta de condições básicas de higiene.
O estigma em torno da menstruação ainda faz com que muitas mulheres sintam vergonha de procurar ajuda ou de falar sobre o tema. Isso perpetua um silêncio social que limita a criação de políticas públicas eficazes.
“A pobreza menstrual é uma forma de negligência estrutural que retira das mulheres o direito à dignidade e à participação plena na sociedade.”
Mulheres angolanas e o ciclo do silêncio
Em Angola, o impacto da pobreza menstrual é visível nas escolas, nas comunidades rurais e nas zonas urbanas periféricas. Muitas raparigas faltam às aulas por não terem produtos adequados; outras improvisam com panos, papel ou materiais inseguros, arriscando a saúde e a autoestima.
A falta de informação sobre o corpo feminino e o ciclo menstrual perpetua mitos e crenças que afastam o tema da educação sexual e reprodutiva.
Nas zonas rurais, o tabu é ainda mais profundo: falar de menstruação é visto como indecoroso, e muitas jovens crescem sem orientação sobre o próprio corpo.
Em contexto urbano, a realidade também é desigual. Os produtos menstruais continuam a ser bens de luxo para muitas famílias, sujeitos a carga fiscal e com preços que variam entre 1.000 e 3.000 Kz por embalagem, valores que, para quem vive com rendimentos baixos, tornam a gestão menstrual um desafio mensal.
Dignidade menstrual é um direito, não um privilégio
A Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece o acesso à higiene menstrual como um direito humano básico, essencial para a saúde e a igualdade de género.
Garantir a dignidade menstrual implica criar infraestruturas seguras, políticas públicas inclusivas e programas de distribuição gratuita de produtos menstruais, à semelhança do que já se faz com preservativos ou medicamentos.
Em Angola, algumas organizações e movimentos femininos têm vindo a abordar o tema através de campanhas de sensibilização e doação de kits menstruais. Ainda assim, é urgente que o Estado e o sector privado se unam nesta causa, reconhecendo que a pobreza menstrual não é apenas uma questão feminina, mas um desafio colectivo de justiça social e equidade.
Um apelo à mudança
Falar de menstruação é falar de direitos humanos, saúde, educação e dignidade.
Num país em que a maioria da população é jovem e feminina, combater a pobreza menstrual é investir no futuro, um futuro em que nenhuma mulher ou rapariga precise faltar à escola, esconder-se ou sentir vergonha do seu corpo.
“A menstruação não é um problema. O problema é a desigualdade que a rodeia.”
