É inegável que Angola é, na sua origem, uma sociedade matriarcal, com uma longa tradição de poder feminino. O nosso país, assim como outros países africanos, ergueu-se sobre a força e o trabalho árduo de mulheres que lutaram dentro e fora de casa para erguer e suster vidas, famílias e comunidades.

Também é verdade que a influência da globalização, trouxe novas formas de ser e estar para mulheres e homens, mudou a forma como a sociedade, pelo menos no seu casco urbano, se comporta, se revê e educa os seus filhos.

Sou frequentemente questionada se, com base na realidade de que estamos numa sociedade matriarcal, as lutas do movimento feminista que promovem direitos equitativos entre homens e mulheres fazem sentido no nosso contexto.

Ora vejamos: actualmente, o feminismo promove o acesso à saúde, educação e sororidade entre mulheres, e luta contra a desigualdade salarial, violência de género, sexismo e misoginia, falta de representatividade feminina em cargos de liderança, desigualdade de género no trabalho e emprego, entre outros temas.

Embora Angola possua uma herança matriarcal, as desigualdades de gênero ainda persistem em muitos aspectos da vida quotidiana. A luta por direitos iguais é, portanto, não só pertinente como necessária.

O feminismo, no nosso contexto, pode ser visto como um movimento de transformação que “preserva o que há de positivo na herança matriarcal”, mas também a expande e adapta às exigências de uma sociedade equitativa.

Em Angola, as mulheres enfrentam desafios específicos que se sobrepõem à desigualdade de género global. A violência doméstica, por exemplo, continua a ser uma questão grave e, muitas vezes, subnotificada, devido ao estigma e à falta de suporte institucional. O acesso a cuidados de saúde de qualidade é limitado e afecta desproporcionalmente mulheres e crianças, assim como o acesso desigual à educação e oportunidades de emprego, o que resulta numa maior dificuldade para aceder a empregos formais e perpetua ciclos de pobreza e dependência económica.

No mercado de trabalho, as mulheres sofrem com segregação ocupacional, desigualdade salarial, e embora desempenhem papéis centrais nas suas famílias e comunidades, experienciam discriminação por sexismo, etarismo, maternidade, trabalho doméstico, além de assédio moral e sexual.

A luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres em Angola envolve não só a adaptação de princípios globais de justiça social à realidade local, mas também uma valorização da tradição local e o fortalecimento de estruturas que não somente reconheçam e valorizem, mas apoiem a contribuição feminina a todos os níveis da sociedade.

Apesar de ser verdade que muitas mulheres angolanas ocupam cargos de direção, liderança e até mesmo posições políticas de destaque, a luta pelos direitos femininos continua essencial. A presença de mulheres nestas posições não apaga a mentalidade enraizada que tende a diminuir, menosprezar e desconsiderar o trabalho, dificuldades e capacidades das mulheres. Esta mentalidade, muitas vezes invisível e subtil, perpetua a descriminação de género e necessita ser confrontada.

É crucial que a sociedade angolana, ao mesmo tempo que celebra os avanços e conquistas das mulheres, continue a promover mudanças estruturais e culturais. A verdadeira transformação só ocorrerá quando cada mulher, independentemente do seu papel ou posição, for reconhecida e respeitada pela sua contribuição indispensável para a sociedade.

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Elsa Eduarda Baptista Mbumba (nascida 8 de Março em 1994 em Luanda – Angola), é docente universitária, formadora, consultora e psicóloga com experiência de trabalho na área clínica, hospitalar e comunitária. Mestre em Psicólogia Clínica. Especialista em Psicocriminologia e Intervenção na crise, com interesse em investigação e produção científica, nas áreas de saúde mental e educação. Profissional com uma vívida inclinação para causas sociais e defesa cívica, é co-fundadora da Biblioteca Café e Espaço de Coworking Livrus.com e mentora dos projectos de intervenção socio-cultural, projectos estes que acredita serem o reflexo daquilo que procura enquanto pessoa: conhecimento, estimulação intelectual e perspectivas únicas de vida. Trabalhou como Coordenadora Geral na ONG Change 1's Life, participando na concepção e implementação de projectos sociais de grande impacto comunitário a nível nacional e internacional. Actualmente divide o seu tempo entre consultas de psicologia na Zen House, gestão da linha de negócios orientada para empresas da GiraMondo, um ecossistema de aprendizagem criativa, e a criação da INSIGHT, empresa de consultoria organizacional.

3 comentários

  1. Maiana Mvuatu on

    Olá mulheres, penso que temos aqui uma problemática que deve ter analisada minuciosamente, as soluções dos outros são para os problemas dos outros, ou seja, como angolanos temos de pensar soluções para os problemas dos angolanos, com isso quero dizer que concordo com a abordagem aqui apresentada, porem não concordo com a aplicação do termo “Empoderamento Feminino” na realidade angolana – algo que reflito faz um tempo, e substituiria facilmente por “Emancipação Feminina” porque o poder a mulher angolana e/ou africana sempre teve e a nossa história nos prova isso independente de onde ela os aplicava, mas nos últimos anos, nos foi tirada a liberdade de exercer estes poderes principalmente publicamente.

    Ai, sim, reside o problema que apesar de surgirem vários projectos com objectivo de emancipar as mulheres e têm feito um óptimo trabalho, ainda é um em um milhão, precisamos de mais e que principalmente sejam feitos em todos os pontos do país, não numa pequena Luanda.

  2. Noemia Dulce João on

    Excelente matéria. Realmente ainda há muito para fazer na questão da igualdade de oportunidades e na proteção das mulheres.
    Por exemplo, a Constituição da República de Angola consagra a igualdade de direitos e deveres para homens e mulheres, prevendo medidas punitivas para a discriminação baseada no género, e o quadro legislativo actual promove a igualdade de género na esfera familiar e o combate à violência doméstica. No entanto, na prática, as mulheres ainda são as que menos ganham como já foi dito e são violentadas fisicamente e psicologicamente todos os dias e quando as mais corajosas fazem queixa as autoridades denunciando maridos violentos, lhes é dito apenas para aguentar porque a mulher tem de edificar o seu lar ou dias depois o agressor é solto e a história se repete.
    Deste modo, é nossa responsabilidade enquanto mulheres, estudar e criar estratégias para pelo menos na nossa comunidade mudar de forma gradual este paradigma.

  3. Mónica Carvalho Freitas on

    Ser mulher é um desafio e orgulho constante… Desde sempre e sempre será!
    Adorei cada parágrafo, revi-me em inúmeras situações.

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