Do poder tradicional à mudança social
Nascida a 23 de Novembro de 1958, no distrito de Dedza, no Malawi, Theresa Kachindamoto era a mais nova de doze irmãos, numa família de chefes tradicionais. Durante 27 anos trabalhou como secretária numa escola secundária, até que, em 2003, foi escolhida para suceder ao irmão como Chefe Suprema (Inkosi) da linhagem Maseko/Gomani — uma posição de autoridade sobre cerca de 900 mil pessoas.
Ao assumir o cargo, deparou-se com uma realidade dolorosa: meninas de 12, 13 e 14 anos obrigadas a casar e a abandonar a escola.
“Como mãe e educadora, não podia aceitar ver crianças obrigadas a viver como mulheres adultas”, afirmou numa das suas entrevistas.
O combate aos casamentos infantis
Determinada a quebrar ciclos de pobreza e desigualdade, Theresa Kachindamoto anulou mais de 850 casamentos infantis dentro da sua jurisdição.
A sua acção envolveu diálogo com chefes locais, famílias e líderes religiosos, acompanhada de uma exigência clara: todas as menores deviam regressar à escola.
Suspendeu subchefes que permitiram uniões ilegais e só os reintegrou depois de confirmarem as anulações. Com o tempo, conseguiu que líderes comunitários assinassem compromissos públicos a proibir casamentos envolvendo menores de 18 anos.
“Se educares um homem, educas um indivíduo; se educares uma mulher, educas uma nação.” — Theresa Kachindamoto
O impacto foi imediato: meninas que antes viviam em casamentos forçados regressaram às aulas, reencontraram o direito de sonhar e passaram a vislumbrar um futuro diferente.
Mudança de mentalidades e leis
No Malawi, o casamento infantil era uma prática antiga, alimentada pela pobreza e por tradições enraizadas. Mas Theresa provou que a tradição também pode ser instrumento de progresso.
As suas campanhas porta a porta e encontros comunitários abriram espaço para o diálogo entre gerações, inspirando o próprio governo a rever a legislação nacional.
Em 2015, o Parlamento do Malawi aprovou uma lei que proíbe o casamento antes dos 18 anos — um marco histórico para o país.
Mesmo após essa conquista, Theresa continuou a trabalhar com escolas e organizações internacionais para garantir que as meninas permanecessem a estudar. Para ela, a educação era mais do que um direito: era a base da transformação colectiva.
Reconhecimento e influência internacional
A liderança de Theresa Kachindamoto ultrapassou fronteiras.
Recebeu o Prémio Humanitário Jesse & Helen Kalisher e foi homenageada por instituições como a ONU Mulheres e o UNFPA, pelo seu compromisso em defesa dos direitos das meninas.
Em 2024, foi distinguida com doutoramentos honoris causa pelas universidades KU Leuven e UCLouvain, na Bélgica, em reconhecimento do seu contributo para a igualdade de género e promoção da educação em África.
A sua figura tornou-se um símbolo global de liderança feminina, inspirando chefes tradicionais e activistas em todo o continente.
Legado e inspiração para África
Theresa Kachindamoto faleceu em 2025, deixando um legado profundo nas escolas e comunidades do Malawi.
As meninas que salvou dos casamentos precoces são hoje mulheres formadas, independentes e activas nas suas aldeias.
A sua história lembra-nos que o poder pode servir a justiça quando guiado pela compaixão.
Theresa mostrou que uma mulher no poder tradicional não precisa de renunciar às suas raízes para transformar a sociedade — pode fazê-lo a partir delas, com coragem e sabedoria.
Um exemplo para Angola e para o continente
Em Angola, onde as tradições continuam a desempenhar um papel essencial na organização comunitária, o exemplo de Theresa Kachindamoto carrega uma mensagem poderosa: liderar é também cuidar, proteger e educar.
A sua trajectória inspira mulheres angolanas a ocuparem espaços de decisão, a desafiarem desigualdades e a acreditarem que a educação é o caminho do progresso.
Theresa Kachindamoto não foi apenas uma chefe.
Foi uma voz firme pela infância, pela igualdade e pela liberdade de escolha.
O seu legado ecoa em cada menina africana que hoje pode estudar, sonhar e escolher o próprio caminho.
Theresa Kachindamoto mostrou que a mudança começa quando alguém decide cuidar — e agir.
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