Psicóloga e investigadora Shendylene Elias fala sobre o impacto do luto, a importância do projecto Onjila Yoluto e a urgência de cuidar da mente e valorizar as raízes culturais angolanas.
Uma mulher que transforma dor em propósito
Psicóloga clínica, docente, jornalista e investigadora, Shendylene Elias é uma das vozes mais activas na defesa da saúde mental em Angola. À frente do projecto Onjila Yoluto, a especialista trabalha para apoiar pessoas em processo de luto e reforçar a importância do cuidado psicológico no quotidiano angolano.
“Sou filha e irmã kassula, mulher e angolana que sonha com uma Angola mais justa e com angolanos saudáveis.”
O nascimento do Onjila Yoluto
Como nasceu a ideia do Onjila Yoluto e que significado tem este projecto para si?
“Este projecto é a minha vida, é a minha contribuição para a minha pátria. Surge da necessidade de dar apoio psicológico às mães que perdem filhos e perceber como o ser humano reage diante da perda.”
Com uma abordagem sensível e comunitária, o Onjila Yoluto tem ajudado mulheres a viverem o processo de luto de forma mais saudável.
“Hoje, algumas mulheres já ajudam outras e assim criam um efeito dominó de interajuda.”
Reconhecimento e impacto social
Que impacto teve o Prémio Tigra Nova Garra na consolidação do projecto?
“Esta premiação deu mais visibilidade à causa, porque as pessoas negligenciam tanto a morte e a perda que só depois de passarem por uma experiência pesada percebem a importância de cuidar de quem perde.”
O reconhecimento reforçou a importância de falar sobre o luto e contribuiu para a expansão do trabalho do Onjila Yoluto junto de famílias angolanas.
Compreender o luto à luz da cultura angolana
A sua investigação científica foi aprovada pelo Comité de Ética da Universidade Católica de Angola. Qual é o principal objectivo desse estudo?
“Analisar os processos do luto no contexto africano — como as tribos angolanas vivenciam as suas perdas e os seus rituais.”
E que diferenças culturais encontrou entre as várias etnias angolanas?
“Há muitas diferenças: na vestimenta, nos rituais, no tempo de luto e nas expressões de dor. Cada grupo vive a perda de forma singular.”
Porque considera importante preservar estas práticas culturais ligadas ao luto?
“Porque o povo é a sua cultura. É importante entendermos os nossos comportamentos diante da perda e perceber a influência das religiões africanas e cristãs nas nossas práticas e crenças.”
A voz da experiência: o consultório Onjila Yoluto
Quais são as principais razões que levam as pessoas a procurar o consultório?
“As pessoas procuram-nos porque acreditam que o luto tem fim. Mas com psicoeducação percebem que o luto não acaba. Nós é que crescemos diante dele.”
Que resultados já observou nas pessoas acompanhadas?
“Uma melhora significativa na lucidez sobre o seu processo. Aprendem a controlar as emoções diante de gatilhos e a ajudar outras pessoas que passam pelo mesmo.”
Os desafios da saúde mental em Angola
Angola ainda enfrenta muitos tabus sobre saúde mental. Quais são os principais desafios?
“A falta de informação e o fraco investimento na investigação científica em ciências humanas. A ciência levanta problemas e traz soluções, mas num mundo capitalista parece que só importam as coisas, e não o bem-estar das pessoas.”
O que significou ser considerada uma das psicólogas que mais impactaram a promoção da saúde mental em 2022?
“Foi um sinal verde de que estou no caminho certo. Às vezes incompreendida e negligenciada, mas sigo firme. Quero deixar um mundo melhor para as meninas e mulheres — e ser lembrada como um bom ser humano.”
As mulheres e o futuro da saúde mental
Como vê o papel das mulheres jovens na construção de uma Angola mais consciente sobre saúde mental?
“Vejo com sentido de missão e responsabilidade. Cada uma só precisa fazer bem a sua parte e propagar o seu bom trabalho.”
Olhar para o futuro
Quais são os próximos passos do Onjila Yoluto?
“Formar e transformar. Formar facilitadores de grupos para enlutados, produzir mais artigos, livros e documentários. E quem sabe um dia criar o Observatório Nacional do Luto em Angola.”
Uma mensagem para quem atravessa o luto
Que mensagem deixa a quem hoje enfrenta a dor da perda?
“Viva o seu processo de luto, mas não o viva sozinho. O luto já é muito solitário — fale sobre ele com outras pessoas.”
E que mensagem deixa aos angolanos sobre a importância da saúde mental e das nossas raízes culturais?
“Cuidem da vossa mente e garantam saúde física. Somos mente e corpo. E saúde mental não é frescura.”
Sobre o Onjila Yoluto
Criado por Shendylene Elias, o Onjila Yoluto é um projecto de acompanhamento psicológico e intervenção social dedicado a pessoas em luto. Além de sessões clínicas, promove acções de formação, debates e iniciativas culturais que integram a ciência e a identidade angolana na promoção do bem-estar emocional.
